
Para entrarmos de maneira mais sólida na discussão referente à Poder Civil, se faz necessário percorrer um caminho que se segue pela trilha da democracia que constitui sem dúvida o caráter hegemônico dessa ordem ideológica entendida como Poder Civil.
Nesse caso seguiremos de perto o pensamento de Bobbio (2000) e discutiremos os métodos e procedimentos do processo democrático que nos apontam o caminho de entendimento da homogeneidade dessa ordem ideológica.
O processo democrático tem como premissa o envolvimento maior possível dos interessados sendo de fundamental importância que se construam meios para que isso seja possível. A democracia é sem dúvida algo provido de procedimentos e regras que buscam de alguma maneira o envolvimento das partes interessadas no maior grau possível. Nas palavras próprias do autor, o regime democrático é
Primeiramente um conjunto de regras e procedimentos para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada participação mais ampla possível dos interessados. (Bobbio, 2000, p22)
Por mais que se possa tecer críticas a respeito dessa definição que, à princípio, pode nos parecer um tanto quanto pobre ela dá conta de nos esclarecer de que maneira a democracia procura se estabelecer bem como de seu caráter procedimental que vai dando contornos para que o Poder que se institui por meio dela se torne um Poder de ordem hegemônica.
Outro aspecto fundamental na análise a cerca de democracia é deixar claro que no jogo democrático busca-se a formação de uma maioria que deve ser estabelecida através do debate desprovido de restrição entre as partes que se propõem a disputa democrática. É por meio desse debate que se forma uma maioria que deverá ser respeitada enquanto tal ao fim do processo democrático. É importante também sabermos que procura-se sempre o estabelecimento de um compromisso entre as partes o que daria conta de que a maioria vitoriosa seja respeitada e a minoria derrotada tenha um papel ativo no jogo político. Seguindo esses aspectos de compromisso e debate livre entre as partes estamos assim definindo bem os procedimentos da democracia representativa, talvez mais do da democracia direta.
Para solidificar a fala acima podemos verificar o complemento que o autor dá a respeito de democracia:
É bom desde logo acrescentar que, se inclui no conceito geral de democracia a estratégia do compromisso entre as partes através do livre debate para a formação de uma maioria, a definição aqui proposta reflete melhor a realidade da democracia representativa do que da realidade da democracia direta. (Bobbio.2000.p22)
Percebemos, deste modo que os procedimentos da democracia são cadenciados, burocráticos. Deste modo é lícito afirmar que a democracia procura esta aberta a qualquer conteúdo que possa existir ate mesmo movimentos mais exaltados ou inflamados que sentem sede de mudanças mais profundas, notadamente movimentos de esquerda a procura de transformações mais urgentes. Ao mesmo tempo a democracia trata de, mesmo se abrindo a todo e qualquer conteúdo, salvaguardar as instituições políticas que seriam intocáveis uma vez que todos os métodos e procedimentos da democracia visam o fortalecimento dessas instituições não podendo haver entre elas e o povo nenhum tipo de intermediação que não nascesse dos partidos políticos que seriam os únicos permitidos a exercerem essa função. Nesse caso ao mesmo tempo que podemos enxergar a democracia como algo elástico que se expande para a assimilação das mais variadas posições políticas, podemos também vê-la como sendo algo um tanto quanto exigente e inflexível quando se fala em respeito as instituições políticas. Nessa linha podemos buscar fortalecimento da fala acima nas palavras do autor:
A democracia como método está sim aberta a todos os possíveis conteúdos, mas é ao mesmo tempo muito exigente ao solicitar o respeito às instituições, exatamente porque neste respeito estão apoiadas todas as vantagens do método e entre estas instituições estão os partidos políticos como os únicos sujeitos autorizados a funcionar como elos de ligação entre os indivíduos e o governo. (op.cit.2000,p22-23)
Podemos ainda nos voltar ao conceito de democracia por um outro viés. Assim, podemos procurar entende-la como forma de governo que se opõe a qualquer tipo de governo autocrático. A democracia seria, portanto uma forma governamental que pensa em um governo voltado não para a figura de um indivíduo que toma as decisões ao seu modo sem que se leve em conta os interesses coletivos, mas sim para o atendimento das vontades da sociedade visto que o ser humano é um ser racional essencialmente social não podendo viver de forma alguma desvinculado de um grupo social. Desta feita, se faz necessário estabelecer uma forma de governo que atenda os anseios da sociedade. Visto a inviabilidade de que em qualquer grupo social todas as pessoas decidam, tomem as decisões do grupo, a democracia se constitui de uma ferramenta fundamental para regular através de métodos e procedimentos quem irá tomar essas decisões que implicam uma sociedade inteira. Deste modo, destaco que a democracia é caracterizada por um conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. (op.cit.2000,p30)
A legitimidade que a democracia encontra esta no fato de que em qualquer grupo social existe uma necessidade sempre constante de se tomar decisões coletivas, o que via de regra deve ser feito com a máxima cautela e sensibilidade uma vez que as decisões coletivas nunca alcançam a satisfação plena da sociedade, porém devem buscar a satisfação maior possível dos membros. É de fundamental importância, até mesmo para a sobrevivência do grupo social, que essas decisões sejam tomadas de maneira criteriosa. Nesse sentido a democracia entra como uma ferramenta que regula essas ações de maneira que esta sempre voltada para a legitimidade das decisões que são tomadas por indivíduos em nome de uma coletividade. Se faz necessário que decisões tomadas por um indivíduo em nome de um grupo sejam aceitas por este grupo. Em Bobbio encontramos que:
Para que uma decisão tomada por indivíduos seja aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos. No que diz respeito aos sujeitos chamados a tomar decisões coletivas, um regime democrático caracteriza-se por atribuir este poder a um número muito elevado de membros do grupo. (...) É impossível dizer “todos” porque mesmo no mais perfeito regime democrático não votam os indivíduos que não atingiram uma certa idade. (2000,p31)
Portanto, quando falamos em “ordem ideológica hegemônica” não podemos deixar de nos remeter ao conceito de democracia, uma vez que a democracia é que dá o suporte necessário para que um grupo, criteriosamente escolhido por meio de regras e procedimentos, possa exercer sobre a sociedade o poder de tomar decisões coletivas e que essa sociedade respeite essas decisões entendendo-as como legitima diante desses procedimentos e regras.
(VIEIRA, Adriano, 2008 , p.09-13)